Lourival e sua Mãe Maria na premiação da Copa Gazzeta de Xadrez.(em 2004)
Quem pratica xadrez têm
conhecimento da palavra J’ADOUBE. Caso alguma peça tanto sua como a do adversário
fique fora da casa ou em casa errada e haja a necessidade de arrumação, pede-se
permissão para arrumar ou colocá-la no local correto. A palavra J’ADOUBE é de origem francesa que significa: um pedido de licença e permissão.
Num torneio do River
Shopping realizado no ano de 2002, dentre algumas partidas, jogavam numa
determinada mesa, os atletas Gustavo x Lourival que era meu aluno no Colégio
Nossa Senhora Auxiliadora de Petrolina na época. Os dois eram jogadores de destaque
da cidade e com certeza naquele confronto se decidiria o título da categoria.
Foi quando Lourival
movimentou sua dama para uma casa onde o cavalo adversário a capturaria com um
duplo ataque com xeque de cavalo. Quando o mesmo soltou a peça na casa, se apercebeu do equívoco da jogada, falando para Gustavo:
- J’ADOUBE!
- J’ADOUBE!
Sabedor dessa
regra básica, seu oponente solicitou a presença do árbitro na mesa para
registrar a ocorrência, que logicamente deu o veredicto final em favor do
próprio. Tal decisão fez com que Lourival caísse em prantos,
afirmando para todos os presentes, inclusive aos seus pais, que eu não
havia ensinado o significado correto da palavra J’ADOUBE para ele.
Naquela hora eu
me encontrava literalmente em xeque, então achei uma saída plausível...
Propositadamente convoquei todos os meus alunos que participavam daquela
competição fazendo uma simples pergunta...
- Eu ensinei o que é J’ADOUBE PARA VOCES?
Um grupo de 6 alunos num tom
uníssono afirmou:
-
SIM! PROFESSOR.
Então me dirigi a Lourival
falando que lamentavelmente eu só não tinha ensinado para o mesmo. Ele
imediatamente se retirou da competição, inconformado com a perda da partida.
A primeira regra que ensinamos para os alunos iniciantes é que a peça tocada tem que
ser jogada. A não ser em casos de impossibilidade em que o rei fique em xeque,
ou seja, um lance impossível. Então, usa-se essa formalidade ao pedir permissão
como condição para tocar em alguma peça.
Dias depois ele se
apresentou nas aulas de xadrez me pedindo desculpas pelo ocorrido, dizendo ter esquecido
que eu tinha ensinado essa regra, a qual é universal. Prontamente o desculpei.
Lourival era uma criança
inteligente, comportada, saudável e talentosa. Era muito querido no meio e me tinha um grande respeito. O problema
era que ele não digeria bem as suas poucas derrotas em competições.
Ao longo do período escolar,
aos poucos fui corrigindo isso dele, sendo que o mesmo começou a entender o significado de cada
resultado dentro de uma partida, absorvendo melhor os seus reveses.
Quando ele se
transferiu para o GEO levou consigo um “Bulling” (na época apelido) emplacado
na sua pessoa. A turma do xadrez, o chamavam de J’ADOUBE devido ao episódio ocorrido. O
incrível é que o mesmo aceitava tranquilamente as brincadeiras dos colegas numa
boa. Ele hoje cursa o 5º período de MEDICINA na Universidade de
Pernambuco em Recife.
O encontrei há uns quatro
anos e comentamos aquele episódio. O assunto foi motivo de risadas de ambas as
partes. Já pensaram se o chamarem de DR. J’ADOUBE quando ele se formar?
(brincadeira).
São essas histórias que
preenchem o espaço da nossa convivência enxadrística, fazendo com que a gente
passe esse esporte que aprendemos a amar de uma forma onde a interação produza
um efeito social, e a partir dos parâmetros da inter-relação, traga uma
contribuição positiva na formação de cidadãos de caráter ilibado para o
mundo.
Saudações enxadrísticas.
Emídio Santana
Excelente história! O xadrez educando para a vida. Sua atuação foi perfeita como educador, e o aluno também está de parabéns por reconhecer o erro depois.
ResponderExcluirPosso usar esta história em meu curso de capacitação para professores?
Caro Mestre
ExcluirTemos muitas histórias para contar do nosso dia a dia que torna a nossa profissão prazerosa.
Tens total autorização.
Um abraço
Emídio
Grande Lourival!!
ResponderExcluirUm fenômeno do xadrez de Petrolina.
Recordo - me que chegou a vencer Agnaldo quando o mesmo havia vencido recentemente o petrolinense ou algo assim, creio que foi uma competição no Neuman Hotel.
Nos temos dele (e que é tbm o meu) uma geração mto boa de jogadores escolares surgiu: Daker Fernandes, Lourival, Rafael Mendes, Éder, Anderson Amorim e muitos outros.
Tivesse continuado o xadrez e com estudo arrojado, teria sido um dos maiores nomes do xadrez pernambucano.
Professor, penso que o xadrez de petrolina já deveria ser objeto para livro, no mínimo um documentário.
Que acha da idéia?
Um grande abraço!
Caio Graco.