domingo, 30 de setembro de 2012

Bobby Fischer, O Mozart do Xadrez

Bobby Fischer aos 13 anos (1956)
Bobby Fischer aos 13 anos (1956)
Robert James Fischer (Bobby Fischer) nasceu no dia 9 de março de 1943, em Chicago (EUA). Faleceu em 17 de janeiro de 2008, em Reykjavik na Islândia.
Fischer aprendeu a jogar xadrez com seis anos de idade junto com a sua irmã Joan. Ambos aprenderam de forma simples: lendo um folheto que vinha junto com o jogo explicando as regras básicas e o movimento das peças. A partir de então, não prestou mais atenção em qualquer outra coisa que não estivesse relacionado com um tabuleiro de 64 casas. O que era apenas um hobby para Joan, para Bobby tornou-se uma paixão que muitas vezes chegou a ser obsessão. Ela logo se cansou de tentar seguir o seu ritmo e parou de jogar com ele. Mas Bobby continuou absorvido pelas 64 casas, mas agora sozinho. Na verdade, a fixação da Bobby por xadrez adquiriu proporções quase patológicas.
Aos 12 anos se negou a ir à escola, argumentando com sua mãe o seguinte: “Prefiro ser o melhor enxadrista do mundo do que ser mais um entre muitos, em qualquer outra carreira”.
Bobby Fischer
Bobby Fischer
Fischer era um menino prodígio com um QI de 184, porém seu começo no mundo do xadrez não foi demasiadamente brilhante, ao contrário de ouros meninos pródigos como Morphy, Reshevsky ou Capablanca. Entretanto os êxitos não tardaram a chegar: aos 15 anos e 6 meses obteve o título de Grande Mestre, sendo até então, o jogador mais jovem da história a conquistar este título.
Para uma pessoa com sua inexperiência, Fischer começou a obter resultados espetaculares, chamando a atenção de toda a comunidade enxadrística. Nos Estados Unidos, a notícia começou a se espalhar rápido como um foguete. Afinal haviam encontrado um jogador capaz de fazer frente aos soviéticos em um futuro não muito distante. Pelo seu talento chegou a ser chamado de o Mozart do xadrez.
Estudou os jogos dos mestres do século XIX, algo que era recomendado a todo jogador jovem, e que refletiu em seu estilo de jogo. Durante toda a sua carreira se mostrou muito agressivo no tabuleiro, sem medo de usar sofisticadas combinações que destroçassem a defesa do adversário. Na realidade era um jogador de estilo universal, dominando todas as formas de jogo. Sua única prioridade era a vitória e não se importava com o modo de chegar a ela; talvez seja esta a característica que marcou sua carreira: a determinação para buscar a vitória sempre. Por isso, podia fazê-lo de maneira tranqüila, como no estilo de Petrosian, ou de forma brilhante como Anderssen.
Anotação original de Bobby Fisher 1956
Anotação original de Bobby Fisher 1956
Em 1956 jogou a que foi considerada a sua melhor partida: D. Byrne vs B. Fischer (Nova York, 1956), que ficou conhecida como “A Imortal do Século XX”. Quando jogou esta “jóia do xadrez”, Fischer estava com apenas 13 anos de idade, o que ficou constatado que um novo gênio havia aparecido no mundo do xadrez. Neste mesmo ano conseguiu seu primeiro título importante ao vencer o Campeonato Júnior dos Estados Unidos disputado na Filadélfia. O ano de 1957 foi a sua consagração. As diversas vitórias conseguidas em seu país lhe abriram as portas dos torneios europeus, única via para poder conseguir escalar os picos mais altos do xadrez. Desta forma pode começar a competir em busca do seu grande sonho: o Campeonato do Mundo. Deve-se ressaltar que foi campeão em seu país com 14 anos com uma vantagem de 1 ponto sobre o segundo colocado, Samuel Reshevsky.
Bobby Fischer
Bobby Fischer (1957)
Fischer era a única ameaça que os soviéticos viam no horizonte. O domínio desta prolífica saga de jogadores era devastador havia décadas, e diante dos ventos ameaçantes que sopravam sobre o Atlântico, decidiram unirem-se. Esta aliança pode ser observada nos vários torneios onde os jogadores da URSS jogavam com grande energia quando enfrentavam Fischer e reservavam forças quando se enfrentavam (com empates em poucos movimentos). Um claro exemplo disto ocorreu no torneio de candidatos de 1962, Petrosian ficou em primeiro lugar seguido de Geller e Keres. Fischer ficou em 4º depois de duras batalhas contra seus rivais soviéticos. Parece claro que utilizaram esta estratégia não muito esportiva, entretanto há de reconhecer o impressionante poderio dos mestres soviéticos, entre os quais havia vários com capacidade suficiente para ser campeões do mundo.
Durante esta época, Fischer publicou a primeira de suas famosas listas onde exprimia sua opinião acerca de quem haviam sido os melhores jogadores de xadrez da história. Nesta lista podemos observar a influência dos jogadores românticos em todos os enxadristas jovens. Anos mais tarde publicaria uma segunda lista.
Bobby Fisher
Bobby Fisher
Não foram tempos fáceis para Fischer, na maioria dos torneios era superado por algum representante soviético, algo que em seu caráter altamente competitivo era incapaz de assimilar. Ainda assim, conseguiu vários títulos de renome e sempre conseguiu ficar entre os primeiros em todas as competições da qual participou. Em todos os torneios que participou nos Estados Unidos, não conheceu nenhum rival a sua altura, somente no torneio internacional de Santa Mônica, 1966 que ficou em segundo lugar atrás de Spassky, e teve atuações sensacionais como no Campeonato dos Estados Unidos em 1963, onde venceu as 11 partidas que disputou.
Bobby Fisher (1971)
Bobby Fisher (1971)
A polêmica foi uma característica que, por sorte ou por desgraça, sempre lhe acompanhou. Fischer ficou famoso pelas exigências que fazia aos organizadores de torneios, e que por sua vez, ficavam literalmente loucos com elas, as quais podiam variar em questões de horas. Suas declarações nunca foram indiferentes a nada, sempre demonstrando uma ilimitada confiança em si mesmo (o que também pode ser definido como egocentrismo desmedido), mesmo em questões políticas. Podemos dizer que graças a insistência de Fischer, os enxadristas puderam desfrutar de melhores condições em sua profissão.
Porém, tudo parecia secundário para Bobby Fischer. Sua meta principal era ser campeão do mundo e sua grande oportunidade chegou no ano de 1971. A FIDE havia decidido mudar o formato do torneio de candidatos para acabar com as alianças dos jogadores soviéticos e para isto, decidiu que se jogaria por eliminatórias diretas. Este sistema favorecia Fischer, que se tornou o grande favorito e não decepcionou ninguém. Fischer não deu trégua a nenhum de seus rivais, demonstrando um xadrez espetacular. Estes foram os resultados:
•    Quartos de final: Fischer 6 – Taimanov 0
•    Semifinais: Fischer 6 – Larsen 0
•    Final: Fischer 6’5 – Petrosian 2’5
Fischer havia conseguido se classificar para o campeonato do mundo e Spassky era o último obstáculo a ser superado para concretizar o seu sonho. Este duelo pelo Campeonato Mundial foi considerado o match do século. Com um claro transtorno político, em plena guerra fria, ambos os jogadores receberam apoio de seus respectivos países. O match ia além de Fischer e Spassky, convertendo-se em uma disputa entre as maneiras antológicas de viver.
Fischer nunca havia derrotado Spassky até este momento, algo que realmente não lhe preocupava. O encontro era tão importante que várias cidades propuseram sediá-lo, mas acabou sendo disputado em Reykjavik (depois da renuncia de Belgrado pelas exigências estadunidenses). Este evento criou uma grande expectativa em todo o mundo, milhares aficionados chegaram a Reykjavik e centenas de jornalistas para cobrir a informação de cada partida. Porém, tratando-se de Fischer nada era seguro e estável, e depois de novas exigências o match teve de ser adiado. A primeira partida aconteceu em 11 de julho e foi vencida por Spassky, que demonstrava que ele também tinha ido a Islândia em busca da vitória. Entretanto, nem com o começo do encontro Fischer sossegou, já que decidiu nos presentear na segunda partida com novas desavenças com os organizadores, porque o marcador mostrava 2-0 a favor de Boris Spassky. Finalmente o match pode continuar e Fischer demonstrou um sangue frio sem igual, jogando um xadrez profundo e sem resquício de conseguir reverter com grande rapidez a desvantagem acumulada. Na sexta partida já estava na frente e na nona já contava com uma grande vantagem, tudo isso mostrando uma grande superioridade no tabuleiro. Realmete, Spassky não teve outras opções e Fischer alcançou o título de forma folgada apesar de um começo duvidoso. Este triunfo terminaria com o domínio soviético que durara desde 1948 e que parecia não ter fim.
Boris Spassky vs Bobby Fischer (1972)
Boris Spassky vs Bobby Fischer (1972)
Depois de conquista o campeonato do mundo, Fisher não voltaria a participar de mais nenhum outro torneio. Seus desentendimentos com a FIDE eram totais e se negou a defender seu título em 1975 contra Anatoly Karpov, que passou a ser o novo campeão mundial sem mover uma única peça. Karpov negociou com Fischer em várias ocasiões para que o match pudesse acontecer, porém no final das conversações sempre se rompiam pelo lado do norte americano. É uma verdadeira lástima não ter podido desfrutar do jogo de Fischer durante alguns anos, mas se tivesse enfrentado Karpov e Kasparov, haveria nos dado uma idéia mais clara do seu verdadeiro potencial.
E para a grande desilusão de todos, Fischer desapareceu sem que nada se soubesse dele e porque renunciara participar das competições de xadrez. A partir deste momento, só voltou a dar sinal de vida por algum escândalo. Na primavera de 1977, Fischer voltou a sentar-se diante de um tabuleiro para enfrentar o computador MacHack, em um match secreto de 3 partidas que foi disputada em Cambridge. O acordo estipulava que as partidas não seriam públicas, porém alguém as filtrou e foram publicadas nas revistas de todo o mundo. Fischer varreu literalmente a máquina nas 3 partidas, o que demonstrava que os computadores ainda se encontravam muito longe de poder derrotar o ser humano.
Em 1992, decidiu abandonar de novo seu retiro para jogar um match contra Boris Spassky (não oficial) na partida chamada de “Revanche do Século”. A bolsa era de cinco milhões de dólares, sendo que dois terços eram para o vencedor. Entretanto, a disputa foi marcada por momentos críticos. O match aconteceu em Sveti Stefan (Iugoslávia), que estava envolvida em uma guerra civil e sofria embargo por parte das Nações Unidas. Os EUA proibiram Fischer de participar do evento e ele cuspiu no documento em frente às câmeras criando uma grande crise. Bobby Fischer venceu o match por 17’5 – 12’5. Com este resultado demonstrava ao mundo inteiro que, apesar de seu retiro de 20 anos, continuava sendo um jogador capaz de jogar no melhor nível. E após o match, mais uma vez, Bobby Fischer decidiu se retirar do xadrez e sumir do mundo. Após a disputa, Fischer deu entrevistas acusando Anatoly Karpov, Viktor Korchnoi e Garry Kasparov de terem conquistados seus títulos em jogos arranjados. Por ele nunca ter perdido uma decisão pelo título mundial, o campeão ainda seria ele.
Boris Spassky vs Bobby Fischer (1992)
Boris Spassky vs Bobby Fischer (1992)
O melhor que podemos fazer é recordar seu talento sem limites e por sua fé inabalável em busca da vitória. Seu estilo era agressivo, buscava atacar e atacar até que seu oponente abandonasse. Sempre comentava que os que não jogavam 1. e4… na abertura eram uns covardes. Devido a isto, seu repertório de aberturas não era muito amplo, algo que era compensado com uma compreensão do jogo somente ao seu alcance.
Também dizia que a teoria de aberturas matava a criatividade, o que o levou a criar uma nova forma de jogar xadrez: o sistema Random. Esta modalidade consistia em uma colocação diferente das peças: os peões eram colocados iguais, porém a posição das outras peças era decidida por sorteio antes de começar a partida. Isto dava lugar a uma posição inicial distinta, no qual o conhecimento de aberturas passava a ser irrelevante.
Bobby Fischer
Bobby Fischer
Fischer sempre foi um personagem peculiar, com manias estranhas e outras verdadeiramente insuportáveis. Não se pode negar que o seu lado positivo, é que demonstrou ser sempre uma pessoa íntegra e fiel às suas idéias. Um delas era a sinceridade, tentando não mentir nunca e repudiava a falsidade. Uma prova disso foi no princípio de sua carreira, quando sua mãe havia conseguido um contrato de 500 $ para que Fischer fizesse um anúncio de pianos. No anúncio ele apareceria tocando piano, entretanto Fischer não sabia tocar e se negou a fazer porque não queria enganar o público desta maneira. Algo parecido ocorreu pouco antes do seu match com Spassky. Uma marca de produtos para cabelo lhe ofereceu uma alta soma para que aparecesse em seus anúncios. Fischer se negou dizendo que ele não usava nenhum creme para cabelos, então ele não poderia aparecer no anuncio fingindo que utilizava creme no cabelo.
Esta forma de pensar criou muitas piadas, uma delas esteve relacionada com sua aversão a bebidas alcoólicas: durante um torneio em Zagreb, a organização presenteou a cada jogador com duas garrafas de licor típico da região. Bent Larsen  era o segundo jogador na equipe de Fischer. Bent foi até o quarto de Fischer para ver como ele estava e o encontrou abrindo uma das garrafas. Larsen surpreendido lhe disse: “Vai beber isto agora”? E Fischer lhe respondeu: “Não, só quero jogá-las pelo ralo da pia”. Larsen tratou de lhe convencer a não fazer isto, que pelo menos desse de presente a algum amigo. Fisher foi taxativo: “ Não quero ser o responsável pela intoxicação de um ser humano”. Uma pessoa sempre fiel aos seus princípios, até a última conseqüência.
Quanto a sua vida nos últimos anos, vez ou outra aparecia em cena concedendo uma entrevista a alguma rádio ou escrevendo um artigo em algum jornal. A maioria das vezes era para dar alguma opinião política, geralmente para criticar alguma ação de seu país com o que não estivesse de acordo (por exemplo, o embargo de Cuba na guerra do Iraque). Podemos recordar que Fischer foi proibido de entrar nos Estados Unidos porque tinha uma sentença pendente de 10 anos de prisão (por descumprir uma ordem dizendo que violaria sanções da ONU se ele jogasse xadrez na Iugoslávia, o que ele fez durante a sua partida com Spassky em 1992).
Bobby Fischer
Bobby Fischer
Havia sempre rumores de que jogava xadrez pela internet, porém de maneira anônima. Especula-se que era fácil reconhecer-lhe pelo seu típico movimento de rei e das primeiras jogadas, onde rechaçava roçar e movia seu rei a e2 ou d2. Entretanto isso são apenas suposições.
Os problemas seguiram perseguindo-lhe e no ano de 2006 foi detido no aeroporto de Narita (Tokio), por estar com o passaporte vencido. Isto ocorreu quando se dispunha a viajar para as Filipinas para ver sua única filha. Os Estados Unidos reagiram rapidamente e pediram a sua extradição pelo ocorrido na Iugoslávia em 1992. Então se desenrolou uma luta burocrática, na qual a idéia era encontrar um país que lhe pudesse acolher como exilado, algo que os Estados Unidos boicotaram continuamente. Neste ínterim, Boris Spassky teve um bonito gesto com o seu antigo adversário: escreveu uma carta à George Bush, pedindo que tirassem as acusações contra Fischer pela importância dele para com o esporte estadunidense. Além disso, adicionou que se Fischer fosse encarcerado, também deveriam lhe encarcerar e assim eles poderiam jogar xadrez na prisão. Esta história teve um final feliz. Fischer recebeu nacionalidade islandesa o que fez com que ele não pudesse ser extraditado para os EUA já que mesmos tendo acordo de extradição, as leis da Islândia não permitiam que nenhum “cidadão” islandês poderia extraditado para os EUA para responder por processos.
Bobby Fischer, depois de 9 meses detido no Japão
Bobby Fischer, depois de 9 meses detido no Japão
Durante a sua estadia na Islândia, continuou publicando notícia de tempos em tempos inclusive chegou-se a falar de sua volta aos tabuleiros para jogar um match contra Kasparov e Karpov. Em 18 de janeiro de 2008, uma notícia se propagou como um estouro de pólvora por todos os meios de comunicação. Bobby Fischer havia falecido por causas desconhecidas. A comoção no mundo do xadrez foi terrível. Foram feitas dezenas de homenagens em todos os meios de comunicação.
Fischer passou a ser uma lenda. Não são poucos que asseguram que ele foi o melhor jogador da história do xadrez, ainda que isto seja realmente difícil de mensurar.
Bobby Fischer
Bobby Fischer
As estatísticas de Fischer são: vitórias 447, empates 251, derrotas 89; Apesar de uma carreira curta, chegou a ter um ELO máximo de 2.785 pontos, algo que somente muitos anos depois foi superado por Kasparov, ainda que na atualidade Anand, Topalov, Kramnik, Aronian ou Carlsen já tenham deixado obsoleto esta marca….são outros tempos, hoje em dia se jogam muitos torneios no ano desde a adolescência o que cria mais oportunidades de aumentar o rating.

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